O Processo de Bolonha e os cursos de Sociologia: comunicado da APS
A APS tomou a seguinte posição pública - subscrita pelo Departamento de Sociologia da FLUP - sobre a reorganização dos cursos na sequência das propostas da Declaração de Bolonha:
"As mudanças associadas à criação de um Sistema Universitário e de Ensino Superior Europeu, o chamado processo de Bolonha, podem constituir uma oportunidade para melhorar a qualificação dos nossos diplomados e estimular formas de cooperação científica e profissional, procedendo à necessária harmonização para a mobilidade. A sua aplicação adequada exige avaliação cuidadosa das especificidades nacionais bem como das características de cada área científica e de ensino.
As licenciaturas em Sociologia do País apresentam um figurino comum de quatro ou cinco anos de formação (equivalendo a 240 ou 300 ECTS) que compreendem um ciclo de formação geral, de iniciação aos fundamentos teóricos e metodológicos da Sociologia e outro de formação mais aplicada dos saberes sociológicos. Em todos os cursos se verifica a existência de um último ano que inclui actividades de seminário, laboratório, tese e/ou estágio profissionalizante.
O modelo tem cumprido o objectivo duplo de desenvolvimento de competências para o campo profissional e/ou para prosseguimento de estudos avançados e tem garantido a qualificação do licenciado, habilitando-o para os vários desempenhos a que a profissionalização obriga.
Graças a ele a quase totalidade dos licenciados já se encontra integrada no mercado de trabalho 6 meses após o final da licenciatura. São estes os resultados inequívocos a que têm chegado, desde há alguns anos, quer o Observatório das Saídas do Ensino Superior, quer a avaliação externa das licenciaturas em Sociologia, promovida por comissões independentes no âmbito da Fundação das Universidades Portuguesas. Esse modelo de ensino tem permitido a colocação de sociólogos nos mais variados sectores das empresas, da administração pública, das organizações não governamentais e também o aumento da comunidade de investigadores. Mais de 2000 destes sociólogos estão associados na Associação Portuguesa de Sociologia.
Os diplomados em Sociologia, profissionais altamente qualificados, quadros superiores, técnicos e especialistas da administração pública e das empresas, quadros dirigentes, docentes e investigadores têm conseguido criar condições para se adaptarem às mudanças tão constantes no mercado de trabalho. Atingiram-se patamares de qualificação que não devem agora ser diminuídos. O país, para o seu desenvolvimento, necessita da contribuição destes profissionais e das suas qualificações.
A conclusão unanimemente partilhada é, assim, a de que são indispensáveis 4 anos (240 ECTS) para formar um profissional em Sociologia, capaz de desenvolver as competências de trabalho, de concepção e de direcção próprias de um quadro superior. No contexto que actualmente se discute, o 4º ano permitirá oferecer um caminho mais individualizado de experimentação e desenvolvimento, capaz de completar uma eficaz preparação para a profissionalização ou para o prosseguimento e aprofundamento da formação científica em coincidência com a escolaridade pós-graduada. Um primeiro ciclo de formação mais curto corresponderia a uma habilitação direccionada para os segmentos de quadros técnicos intermédios, que ficaria claramente abaixo do perfil de funções hoje asseguradas com eficiência pelos sociólogos.
Só com um perfil de formação adequado se garantirá, no contexto da integração europeia, uma formação qualificada e um contributo profissional de clara relevância e utilidade social. O desenvolvimento equilibrado das vertentes científica e profissional tem sido uma das características da Sociologia em Portugal, que importa não perder e interessa aprofundar, acompanhando as transformações das sociedades contemporâneas."
1 Comments:
Em primeiro lugar, gostaria de dar os parabéns pela publicação de um blog dos estudantes de sociologia da nossa faculdade. Espero que permita um maior debate e reflexão - nunca esgotado neste espaço - em torno de problemas sociológicos de interesse. No que toca ao Processo de Bolonha, penso que devemos (estudantes e professores de sociologia) questionar de forma mais arguta quais as reais intenções do Processo de Bolonha. Aliás, uma avaliação dos pressupostos que fundamentam Bolonha não pode circunscrever-se ao nosso curso de sociologia.
Nesse sentido, com o objectivo de lançar algumas pistas de discussão, considero que Bolonha, mais do que uma consagração de um acesso de qualquer indivíduo a um conjunto de saberes e de conhecimentos fornecidos pela universidade, assenta numa perda de valor de uso dos diplomas de graduação (licenciatura e bacharelato) e avança linhas bastante perigosas de uma futura bantustização, mediada por processos de privatização, do conhecimento científico numa franja cada vez mais reduzida. Ou seja, a divisão ainda mais marcada do ensino superior em duas fases (com o grau de licenciatura cada vez mais desvalorizado e com a substancial subida da aquisição de conhecimentos avançados com as pós-graduações vendidas em "pacotes" praticamente inacessiveis às classes mais desfavorecidas) vai acelerar um processo de concentração de conhecimentos e saberes técnico-científicos de patente criativa, especializada e avançados em franjas altamente qualificadas. No outro pólo te(re)mos uma massificação de conhecimentos gerais, pouco especializados e polivalentes com o intuito de formar uma força de trabalho flexível e descartável, o que mais não é do que andar a saltar de emprego precário em emprego precário. Portanto, Bolonha encerra uma faceta, ocultada por alguns brindes como o Erasmus, de ajudar a promover a vulnerabilidade de uma geração - que é a nossa - perante os imperativos do mercado da (força de) trabalho.
Concluindo, trata-se de analisar o Processo de Bolonha mais aprofundadamente - aqui apenas foram indicadas algumas notas - e tirar as conclusões daí decorrentes que, a meu ver, seria a recusa do Processo de Bolonha. Isto porque a Declaração de Bolonha constitui-se como um instrumento fundamental de reprodução de uma formação social assente nas clivagens de classe.
Saudações sociológicas,
João Aguiar (Sociologia - 2ºano)
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