Vamos falar de política! Haverá melhor altura do que esta para isso?
Tenho ideia que o programa de pesquisa em Sociologia Política que, em Portugal, mais falta faz neste momento é aquele que consiga debruçar-se sobre as múltiplas formas de dissociação entre as pessoas e os fenómenos políticos, programa que, para ser bem sucedido, teria de assumir como dimensão analítica central a questão das "elites políticas" e da sua actuação ao longo dos tempos.
Vem isto a propósito das recentes notícias de compadrios muito mal explicados entre certos e determinados ministros do anterior Governo (PSD/PP) e certas e determinadas empresas (do Grupo BES e tal...).
Chamei à mais recente actualização do caso: "São Paulo e o Milagre do Espírito Santo".
A coisa passou-se assim: o Ministério da Defesa do Dr. Paulo Portas decidiu remodelar o stock de armas do Exército - substituindo a velhinha G3 por uma espingarda modernaça - e vai daí lançou um concurso público internacional, ao qual responderam algumas empresas de armamento. Até aqui, tudo normal (bem, a G3 tem a sua piada, mas pronto). O que acontece é que, afinal, o concurso já estava decidido à partida (do tipo: "quero contratar um indivíduo mas tem de ter 1,82m, tem de se chamar José Barbosa e tem de ser filho do meu vizinho do 3º esquerdo"). A Diemaco, uma empresa de armamento canadiana que se sentiu lesada com o concurso (que incluía, por exemplo, um estranho requisito relacionado com um tamanho específico do cano da arma - requisito que só uma arma cumpre: a que ganhou, claro!), veio inclusivamente a público contestar o processo, pois este apenas abria caminho à empresa alemã HK, excluindo à partida todos os outros potenciais concorrentes. E quem é esta empresa ganhadora-à-partida, a alemã Heckler & Koch – HK? Nem mais nem menos que uma empresa representada em Portugal pela Escom, uma das empresas do grupo Espírito Santo que está no centro das investigações do «caso Portucale» (o tal do abate dos sobreiros e dos campos de golfe).
O "Barbas" disse uma vez que o pessoal dos Governos não passava de mais uma cambada de funcionários das grandes empresas... e parece que o homem tinha a sua razão. De todo o modo - e deixando de lado estes arcaísmos, não é? -, casos como este podem constituir pontos de partida importantes para uma reflexão séria sobre as razões do tão falado "afastamento" entre as pessoas e a política e sobre as formas dessa "revolta" desestruturada (e inconsequente, infelizmente) face ao sistema político-partidário existente que tantas vezes se vê e ouve. As relações entre as pessoas e os sistemas políticos são múltiplas e complexas, é certo, mas isso não significa que devamos desistir de pensar estas coisas, pelo contrário. Acima de tudo, é preciso abandonar os chavões vazios do tipo "as pessoas não ligam", "a culpa é do individualismo", "os políticos são todos iguais", "isto já não tem volta a dar", "o poder corrompe", etc., e voltar as atenções para o campo político tal como ele se encontra estruturado: para as suas relações com os outros campos, para os seus agentes, para o sistema de posições e relações que o caracteriza. No fundo, deixar as generalizações abusivas e chamar as coisas pelos nomes. Porque isto não vai lá com milagres do Espírito Santo...
Mas isto sou eu a lançar ideias para debate, mais nada! Aproveitem para disparar uns tiros sobre isto...
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