O síndrome do caricaturista
Intervalo do telejornal, nunca tive paciência para publicidade, agarrei o comando carreguei num botão e numa fracção imperceptível de tempo o canal mudou e com ele o mundo. Uma torre fumegante e ao canto direito do ecrã surge um avião... O resto da história já conhecem, viram com os próprios olhos, têm uma memória cronológica detalhada do que aconteceu, guardam a imagem da bola de fogo, do colapso das torres, dos gritos,, das faces de desespero, da avalanche de poeira a correr pelas ruas, do silêncio pontuado pelo som das sirenes de alarme, sobrepostas pelas palavras frenéticas do comentador . Tenho a certeza que conseguem invocar o arrepio que sentiram. Tudo isto faz parte da memória da nossa geração, conseguem relacionar-se com o evento de uma forma pessoal, faz parte da nossa memória individual e ao mesmo tempo da nossa memória colectiva.
Halbwach definiu esta memória colectiva como uma corrente de pensamento continuo, que não tem nada de artificial e hetero-imposto, uma vez que retém do passado apenas o que ainda está “vivo” e é capaz de se manter assim na consciência do grupo que viveu o acontecimento, que o mantém presente.
Com efeito, na nossa memória colectiva não existem linhas de separação traçadas como acontece na História. O presente não se opõe ao passado, como quando distinguimos dois períodos históricos próximos. Mas como esta memória assenta sobre um grupo limitado no espaço e no tempo inevitavelmente passará à “História” adquirindo um caracter Universal. As gerações vindouras irão apenas ter acesso às interpretações do acontecimento, a significados hetero-impostos, porque como sabemos a história veicula sempre as visões e pretensões daqueles que a registam.
Não tenho memória do 25 de Abril de 1974, tudo o que sei retive do discurso de terceiros, de visões pessoais de quem o viveu e do que é transmitido pela História. Vi imagens, ouvi testemunhos emocionados, mas por mais que tente, não consigo alcançar o que terá sido vivê-lo. Não sei o que é viver com medo e por conseguinte é-me difícil entender, como os Meninos de Huambo “o que custou a liberdade.” Mas guardo-a como um tesouro, como uma herança, porque felizmente a nossa geração tem o privilégio de contactar directamente com aqueles que a sonharam e alcançaram. Mas jamais saberei o que sente alguém desse tempo, quando ouve “Grândola Vila Morena”... A ponte 25 de Abril, nunca foi para mim Ponte António de Oliveira Salazar.
No pós 11 de Setembro tentam nos roubar um pouco dessa herança, de um momento para o outro inventaram uma nova espada de Démocles para nos manter controlados. Corremos o risco de passar às gerações futuras apenas a ilusão da liberdade, censura disfarçada pelo prefixo auto... Tal como a colega do Post anterior, não defendo a censura e por isso mesmo acho que tudo deve ser dito...
2 Comments:
É isso... Muito bem dito! Mas a espada é de Dâmocles, não de Démocles.
obrigado pela chamada de atenção
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