sábado, janeiro 16, 2010

Da Teoria Social à crítica da Teoria [tradicional burguesa]

É um facto que desde a antiguidade clássica que filósofos e historiadores – Platão e Aristóteles; Tucídides e Políbius – “escreveram densas análises sobre a vida politica”[1], “não conceptualizando (porém) a sociedade como algo distinto das diferentes formas de instituições políticas”[2]. No entanto, “a crítica e o criticismo, enquanto esforços intelectuais”, e segundo Reinhart Kosellek, apenas “sugiram na europa ao longo do século XVII”[3]. Sendo que “o foco da reflexão crítica neste período inicial incidia sobre o exame filológico e a avaliação de textos antigos, sem excluir textos sagrados como a bíblia”[4].

No século a seguir o âmbito do criticismo foi alargado, por forma a abarcar a crítica da política, da religião e da razão. Aqui o Iluminismo (que segundo Kant[5], e outros, foi a “verdadeira era da crítica”[6]), e Rousseau – cujo, para Johan Heilbron, foi “provavelmente um dos primeiros a usar na Modernidade a société como conceito chave e explícito para a razão em termos de relações sociais”[7] -, “introduziram” a Modernidade. Cuja deveria legitimar-se a si própria e não através do recurso a modelos fornecidos por outras épocas. Segundo Jurgen Habermas: “(a modernidade) tem que criar, dela própria, a sua própria normatividade.”[8]. Uma reorientação para o futuro, portanto, e não mais para o passado – veja-se, a exemplo, a “Querelle des anciens et des modernes”[9], em que diversos autores, ingleses e franceses, argumentaram que a nova ciência física, desenvolvida por Galileu, Descartes, Boyle e Newton, era decididamente superior a tudo o que foi escrito na antiguidade. Reinhart Kosellek fala de uma “aceleração da história”[10] no seu “Futures Past”[11].

No século XIX (1840), o “criticismo gozou, após décadas de reacção pós-revolucionária, de um alargamento intelectual na Alemanha, assumindo a forma de crítica da religião e da política. Marx e Engels iniciam a sua longa colaboração com a obra ‘A sagrada família’, uma sátira da ‘crítica crítica’ da esquerda hegeliana (assim como Bruno Bauer e outros)”[12] e tentam, segundo Göran Therborn, “agarrar, ao mesmo tempo, nos dois cornos da modernidade – o emancipador e o explorador”[13]; fazendo do marxismo a “mais importante forma teórica capaz de dar conta das ambiguidades da modernidade: afirmando, por um lado, os aspectos progressistas e positivos do capitalismo, da industrialização, da urbanização, da alfabetização de massas, de uma atitude voltada para o futuro, em vez de para o passado ou de olhos baixos, presos no presente; e, por outro lado, denunciando a exploração, a alienação humana, o consumismo e a instrumentalização do social, as falsas ideologias e o imperialismo, inerentes ao processo de modernização”[14]. Ou seja, o Marxismo “defendia a modernidade de olhos postos numa outra modernidade mais desenvolvida”[15].

No século XX, a Primeira Grande Guerra, as “vagas de movimentos revolucionários na Rússia, Alemanha e Hungria”, com a consequente queda do czarismo na União Soviética em fevereiro de 1917 e a vitória do partido bolchevique nove meses depois; a instauração também duma República Soviética na Hungria, cuja “foi criada após a abdicação do governo burguês”[16]; protestos, greves, ocupações de fábricas, entre outros acontecimentos, contribuíram directa e indirectamente, para a crença messiânica de que “a unidade da teoria e da prática revolucionária, central no programa Marxista”[17], para além de (e porque) possível (“na actividade revolucionária”[18]), poderia, desse modo, “desfazer o capitalismo no ar”[19] – (Lenine chegou a escrever numa carta dirigida aos operários suíços, na qual dizia que “a Revolução Russa é um prelúdio e um passo na direcção da revolução socialista mundial”[20]).

Todavia, quer na União Soviética – que por “falta de recursos devido à guerra”, por “bloqueios económicos” e “sub-desenvolvimento geral”, a revolução russa começou a desviar-se do caminho trilhado por Lenine e terminou no Estalinismo, com “a expansão do controlo centralizado e da censura”[21] -, quer na Alemanha[22] – que após uma guerra perdida, um estabelecimento de paz frustante, inflação massiva, continuo crescimento do desemprego, e o surgimento, em 1929, da pior crise capitalista internacional -, todas as formas de conflitos de classe se começaram a intensificar e complicar.

Das descontinuidades de todos os acontecimentos para com as expectativas, esta “revivescência da teoria marxista”[23] assumiu diversas formas, como o “marxismo de Georg Lukács[24] em Viena, o de António Gramsci em Roma, o de Karl Korsh em Leipzig e o marxismo burguês de Karl Mannheim em Francoforte”[25], o que deu ensejo a avatares em outros planos, com o “deslocamento das esferas ontológicas para as subjectivas, da esfera puramente teórica para a ‘preocupação”’[26], “protagonizada por duas correntes filosóficas: Filosofia Existencialista e a Teoria Crítica”[27].

A Filosofia Existencialista[28] vira-se para o individual – mantendo, desse modo, a linha clássica - e a Teoria Crítica postula que “tanto a auto-realização como a felicidade do indivíduo dependem das condições de todo o ambiente social”[29].

No que concerne à Teoria Crítica, e na urgência das respostas às diversas questões resultantes das mudanças – “How could the relationship between theory and practice now be conceived? Could theory preserve hope for the future? In changing historical circumstances how could the revolutionary ideal be justified?”[30] - esta, contudo, não formou uma unidade, e a “tradição de pensamento a que se reporta tal rótulo”[31] dividiu-se em duas fases: uma primeira à volta do Instituto de Investigação Social[32], estabelecido em Frankfurt em 1923, e uma segunda fase à volta dos mais recentes trabalhos de Jürgen Habermas[33].



[1] Alex Callinicos, Social Theory: A Historical Introduction, Cambridge, Polity Press, 1999, pág. 10.

[2] Idem, Ibidem.

[3] Reinhart Kosellek Cit. In Göran Therborn, “Teoria Crítica e o Legado Marxista do Século XX”, In Bryan S. Turner ed., Teoria Social, Algés, Difel, 2002, pág. 54.

[4] Idem, Ibidem.

[5] A crítica no sentido kantiano é uma investigação sobre como uma forma de conhecimento é possível - Kant definiu “the goal of the critique of speculative reason as being to discover the source of that form of cognition and to expose the conditions of its possibility”. De salientar também que, posteriormente, Adorno faz ainda uma distinção entre a crítica trascendente e a crítica imanente: “whereas a transcendent critique establishes its own principles and uses them to criticize a theory from the outside, an immanent critique uses a theor’s internal contradictions to criticize it in its own term”. Vd. David Macey, The Pinguin Dictionary of Critical Theory, London, Pinguin Reference, 2000, pág. 76.

[6] Reinhart Kosellek Cit. In Göran Therborn, Op. Cit., pág. 54.

[7] Johan Heilbron, The rise of Social Theory: Contradictions of modernity, Minesota Press, 1995, pág. 88.

[8] Jurgen Habermas, The Philosofical Discourse of Modernity, Cambridge, Cambridge University Press, 1987, pág. 7.

[9] Alex Callinicos Op. Cit. Pág. 13.

[10] Reinhart Kosellek, Futures Past, Cambridge, Mass, 1985, pág. 239.

[11] Idem, Ibidem.

[12] Göran Therborn, “Teoria Critica e o Legado Marxista do Século XX”, In Bryan S. Turner ed, Teoria Social, Algés, Difel, 2002, pág. 54. De salientar aqui também que embora Marx tenha sido o expoente máximo dos hegelianos de esquerda que, nessa década de 1840, “aplicaram as suas (de Hegel) pistas filosóficas aos fenómenos sociais e políticos de uma Alemanha em rápido processo de modernização”, e a recuperação dessas mesmas raízes hegelianas do pensamento de Marx, só ter tido efeito após a primeira guerra mundial, também pensadores não-marxistas – nomeadamente, Croce, Dilthey, Sorel – reviveram o interesse filosófico em Hegel”. Vd. Martin Jay, Op. Cit., págs 41 a 85.

[13] Göran Therborn, Art. Cit., pág.53.

[14] Göran Therborn, Art. Cit., pág.51.

[15] Göran Therborn, Art. Cit., pág.52.

[16] David Held, Introduction to Critical Theory: Horkheimar to Habermas, Berkeley, University Califórnia Press, 1980, pág. 17.

[17] Idem, Ibidem.

[18] Martin Jay, The Dialectical Imagination. A History of the Frankfurt School and the Institute of Social Research 1923 – 1950, London, University Califórnia Press, 1996, pág. 4. Martin Jay, nessa mesma página, diz que “the goal of revoluctionary-activity was understood as the unifying of theory and praxis, which would be in direct contrast to the situation prevailing under capitalism”.

[19] Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice: O Social e o Politico na Pós-Modernidade, Porto, Edições Afrontamento, 1994, págs. 25 a 43.

[20] Lénine Cit. In Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 40.

[21] David Held, Op. Cit., pág. 18.

[22] De salientar ainda que na Alemanha, os ataques à democracia de Weimar foram lançados de diversos lados - segundo David Held, “Counter-revolutionary forces were growing in resources and skills” e “From 1924 and 1933 European history was engulfed by the rapid emergence of Nazism and Fascism.”, Vd. David Held, Op. Cit., pág 19. Em que da exploração destas chances e conjunturas resultou o surgimento de Hitler – assim como o de Mussolini em Itália e o de Franco em Espanha.

[23] Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 40.

[24] De salientar aqui que Luckács e Korsch, foram de extrema importância neste início por terem desafiado a ortodoxia marxista – muito embora, nomeadamente Luckács tenha, mais tarde, capitulado a seu favor – e terem repensado o Marxismo em relação a aos eventos contemporâneos; o que possibilitou um re-exame da Teoria e Prática Marxista: “Both men believed that Marx’s writings contain concepts, theories and principles which are violated by orthodox Marxism; and both sought to elaborate and develop this dimensiono f Marx’s enterprise; (…) both believed that this process of elaboration and development requires an examination of the origins (…)”, Vd. David Held, Op. Cit., págs. 20 e 21.

[25] Idem, Ibidem.

[26] Michael Landmann In Zoltan Tar, A Escola de Francoforte, Lisboa, Edições 70, s/data, pág. 11.

[27] Idem, Ibidem.

[28] Se a Patafísica de Alfred Jarry e Boris Vian, a Filosofia do Absurdo de Albert Camus e a Fenomenologia de Husserl e Heidegger a influenciaram, a sua origem remonta a nomes como Kierkegaard. Teve Jean Paul Sartre como o seu representante mais importante. Embora Sartre preferisse a expressão “Filosofia da existência” ou “Filosofia Existencial”, o mais popular termo “Existencialismo” acabou por ser adoptado. A corrente foi divulgada em duas das suas grandes obras: “A Náusea” e “O Ser e o Nada”, e postula a liberdade, a responsabilidade e a subjectividade de cada ser humano, tendo em linha de conta que os mesmos existem “em-si” e “para-si”, numa interacção constante entre a “situação”, a “facticidade”, a “autenticidade” e a “maldição do livre arbítrio”. Vd. David Macey, Op. Cit., pág. 116.

[29] Michael Landmann In Zoltan Tar, Op. Cit., pág. 11.

[30] David Held, Op. Cit., pág. 20.

[31] David Held, Op. Cit., pág. 14.

[32] David Held, indica como elementos chave do Instituto, Max Horkheimer, Friedrich Pollock, Theodor Adorno, Erich Fromm, Herbert Marcuse, Franz Neumann, Otto Kirchheimer, Leo Löwenthal, Henryk Grossmann, Arkadij Gurland e, como membro do “círculo exterior” do Instituto, Walter Benjamin. Vd. David Held, Op. Cit., pág. 14.

[33] Martin Jay salienta aqui a existência de ainda mais uma geração. Ou seja, uma segunda geração “whose most notable members are Jürgen Habermas, Alfred Schmidt and Albrecht Wellmer, as well as a third generation, wich would include Axel Honneth, Peter Bürger, Oskar Negt, Helmut Dubiel, Claus Offe, Alfons Söllner, Hauke Brunkhorst, Detlev Claussen, W. Martin Lüdke and Christoph Menke”. Vd. Martin Jay, The Dialectical Imagination: A History of the Frankfurt School and the Institute of Social Research 1923 – 1950, University of California Press, London, 1996, pág. xv.

1 Comments:

At sábado, janeiro 16, 2010 4:43:00 da tarde, Blogger Gio Ve said...

Congratulations on Your nice website!
Best wishes from Italy.

 

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