Talvez o blog do GES devesse fugir aos temas candentes. Quando a poeira anda demasiadamente no ar, corremos o risco de não ver um palmo à frente do nariz, risco que a sociologia deve evitar a todo o custo, de modo a fugir a análises corriqueiras e pouco fundamentadas. De qualquer forma, deixo aqui um contributo (para a confusão, porque não serve para mais nada...). E deixo-o porque, finalmente, já podemos sair do buraco de "nacionalismo" unanimista em que fomos enfiados no último mês. Já podemos dizer mal do Scolari sem sermos linchados (talvez esteja a precipitar-me, mas arrisco...)!
Acima de tudo, a liderança do Scolari, conhecido admirador de Pinochet, serve para nos pôr a pensar sobre questões como a autoridade "carismática" ou a sempiterna oposição entre "crença" e "ciência". Ciência, Scolari não tem lá muita. Vê-se no conservadorismo com que monta as equipas e na incapacidade para produzir estratégias capazes de inverter resultados negativos (quantas vezes conseguiu, desde que está em Portugal, dar a volta a um jogo? Exemplos de insucesso: Grécia - 2 vezes -, França, Alemanha...).
O sucesso da sua liderança provém essencialmente da crença, da
illusio, como lhe chamaria Bourdieu, criada à volta da selecção. O sociólogo francês diria mais: provavelmente, destacaria o facto de estarmos unidos numa
collusio na
illusio, "uma cumplicidade natural em torno da fantasia colectiva que assegura a cada um dos seus membros a experiência de uma exaltação do eu, princípio de uma solidariedade enraizada na adesão à imagem do grupo como imagem encantada de si" (Pierre Bordieu,
Esboço para uma Auto-Análise, Lisboa, Edições 70, p. 19). Só unidos nesta crença podemos achar que é boa opção técnica o Pauleta jogar sempre, com o Nuno Gomes a "sentar no mocho" sem saber porquê (ver Figura).
Mas aí é que está o segredo da coisa. O futebol, por não ser meramente ou exclusivamente científico, por ser terreno de ciência e de crença (tantas vezes apenas desta última...), permite que o sucesso chegue dos dois modos: pelas mãos do Lehman, que tinha escondido nas meias um papel com os resultados de um estudo de 3 anos sobre o modo como os potenciais adversários da Alemanha marcavam grandes penalidades, ou pelas mãos do Ricardo, que encarnou um agonístico herói nacional cuja inspiração proveio do rosto anónimo de um adepto luso.
Acerca de teorizar sobre o "belo jogo", apetece-me, por isso, dizer a mim mesmo: "It's football, stupid!"