terça-feira, janeiro 26, 2010

A emergência da Sociologia Crítica

⦏... continuação⦐



“One is a theory of late totalitarian capitalism, (…)”[1]

Nessa primeira fase, a Teoria Crítica[2] (primitiva) começa por ser um termo cunhado, desenvolvido, e utilizado por Max Horkheimer (em 1937 e) até 1950 - após essa data, segundo Zoltán Tar, Horkheimer e Adorno utilizam o termo “Teoria da Sociedade”[3] -, que a definiu como uma “human activity that takes society as its object, and that attempts to transcend the tensions between individual spontaneity and the work-process relationships on which society is based”[4], cujo significado deriva da concepção reflexiva e autoconsciente do ponto de vista filosófico, duma “crítica dialéctica da economia política”[5]; e assenta sobre um projecto de trabalho interdisciplinar.

"É uma amálgama das diversas influências sobre o pensamento de Horkheimer, salientando-se entre todas a filosofia idealista de Kant e Schopenhauer (o pessimismo e a noção de Mitleid); o idealismo hegeliano; a descomprometida qualidade crítica de Nietzsche (“a great truth wants to be criticized, not idolized”[6]); a ética judaica (preocupação com a justiça social; imbricada no sofrimento e na recusa em aceitar a violência), (os processos de racionalização e burocratização de Weber), a psicologia da Gestalt (e a teoria da libido e dos instintos de Freud), e certos elementos seleccionados do pensamento marxiano”[7] – nomeadamente, neste último, mais concretamente, a influência do (que Merleau-Ponty chamou de) ‘Marxismo Ocidental’[8] de Georg Lukács e Karl Korsch[9], em que nos seus primeiros trabalhos - considerando a interacção entre a história e a teoria; a importância da teoria como “factor promotor no desenvolvimento das massas”[10], a relação de produção e cultura, os efeitos da reificação, etc… -, existiu uma preocupação “com as forças que moveram (e podem ser conduzidas a mover) a sociedade de encontro a instituições racionais – instituições essas que assegurariam uma vida verdadeira, livre e justa”[11]. E tinha por objectivo ser uma crítica da teoria tradicional (burguesa) - cuja “Horkheimer identifica com a influência, principalmente, de Descartes e de Husserl”[12].

A teoria tradicional, ou “hipotético-dedutiva, é uma soma de proposições numa área de investigação em que as proposições se interligam de tal forma que algumas se podem deduzir das outras – Husserl defendia que a teoria é um conjunto sistematicamente ligado de proposições na forma de uma dedução sistematicamente unificada” [13] -; e “a sua validade depende da congruência das proposições com a comprovação empírica”[14]. E tem por objectivo o estabelecimento, ou formulação, de um sistema de signos matemáticos, equacionados num conjunto de princípios gerais, internamente consistentes, passíveis de descrição do mundo; advogando que, para tal, as ciências do homem e da sociedade devem seguir os exemplos das ciências naturais[15]. Ou seja, “a mesma conceptualização é aplicada à natureza do ser vivo e do não-vivo”[16]. Em que “os representantes das escolas dominantes da teoria tradicional, os filósofos da ciência, do positivismo, do pragmatismo, designam a prognose e a utilidade dos resultados como a tarefa principal da ciência”[17].

A oposição, e dilema principal, aqui, e na opinião de Horkheimer[18], vai no sentido de que “a fertilidade das conexões factuais recentemente descobertas para a renovação do conhecimento existente, e a aplicação deste conhecimento aos factos, não deriva de fontes puramente lógicas ou metodológicas, mas pode ser apenas compreendida no contexto dos processos sociais reais”[19]; ou seja, o cientista e a sua ciência estão integrados no aparelho social[20] - e em que o conhecimento não pode ser todo reduzido à sensação.

Ambas “diferem principalmente a respeito da atitude do sujeito (do cientista ou estudioso perante a sua sociedade)”[21]: “A ciência natural trabalha com fórmulas e o filósofo social reexperimenta significados”[22]. “O filósofo social não pode falar do homem, do animal, da sociedade, do mundo, do espírito, do pensamento, como o cientista natural fala de uma substância química; o filósofo não tem a fórmula. Não existe fórmula[23]. Uma descrição adequada, que manifeste o significado de qualquer destes conceitos com todos os seus cambiantes e as suas interconexões com outros conceitos, é ainda uma tarefa principal”[24].

Enquanto a “teoria tradicional” tende para a preservação e reforma gradual da sociedade a fim de realizar um melhor funcionamento da estrutura social como um todo ou de qualquer dos seus elementos particulares; “a teoria crítica considera os abusos ou aspectos disfuncionais da sociedade capitalista como necessariamente relacionados com a maneira como está organizada a estrutura social”[25]; “não pretende realizar um melhor funcionamento da sociedade de classes aperfeiçoando e promovendo arranjos sociais dominantes”[26], e postula que “a soma total das interacções cegas de actividades individuais na sociedade capitalista, baseada na sua divisão de trabalho e na estrutura de classe, origina-se na acção humana e por isso é possível objecto de decisão planeada e de determinação racional de metas”[27].

Ou seja, a Teoria Crítica (primitiva), visando, segundo Zoltán Tar, “a coordenação do pensamento e da acção”[28] e “preocupada com uma transformação radical da ordem social”[29] existente, é então “uma crítica, sob um ponto de vista ético”[30] – Max Horkheimer chama-lhe “juízo existencial único e elaborado”[31] -, da “teoria tradicional” – que, no seu entendimento positivista da ciência, com a sua correspondente “teoria da verdade”[32], mantém o sistema -, no sentido duma sociedade futura como uma comunidade de homens livres e racionais[33]. Um objectivo (instrumentalista) emancipatório de razão calculista[34] - inspirado, também, no aforismo de Marx, em que, nas suas “Teses Sobre Feuerbach”, sugeria que “os filósofos[35] têm apenas interpretado o mundo, de várias formas, mas a ideia é mudá-lo”[36] – às mãos de “pequenos grupos de homens admiráveis”[37] (teóricos[38] críticos?), perfeitos conhecedores do presente; imaginativos, e preocupados com a transformação social (rumo a uma sociedade sem dominação nem opressão) – alicerçado, também, na exploração do mito homerico de Ulisses[39] -, no sentido, preocupado, de “reconciliação do Homem com a natureza”[40]; com recurso a verificações experimentais[41].



[1] Helmut Dubiel, “Domination or Emancipation? The Debate over the Heritage of Critical Theory” In David Rasmussen and James Swindal Eds., Critical Theory, London, Sage Publications, Vol.I, pág. 39.

[2] Held começa por se referir a esta como “«school» of western marxism” e salienta que as figuras centrais da Teoria Critica são quatro: Horkheimer, Adorno, Marcuse e Habermas. Contudo, também adianta que, no que concerne a rótulos, não existe um mas sim vários modelos de teoria crítica. E que se ligítimamente se puder falar de uma “Escola”, tal será apenas com referência a Horkheimer, Adorno, Marcuse, Löwenthal e Pollock. Vd. David Held, Op. Cit., págs. 13, 14 e 34.

[3] Zoltán Tar, Escola de Francoforte, Lisboa, Edições 70, s/data, pág 28.

[4] David Macey salienta ainda que a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt pode ser descrita “as a theory that seeks to give social agents a critical purchase on what is normally taken for granted and that promotes the development of a free and self-determining society by dispelling the illusions of Ideology”. Vd. David Macey, Op. Cit., págs. 74 e 75.

[5] Horkheimer tomou o seu conceito de crítica emprestado da “Crítica da Economia Politica” de Karl Marx, Vd. Helmut Dubiel, “Domination or Emancipation? The Debate over the Heritage of Critical Theory” In David Rasmussen and James Swindal Eds., Critical Theory, London, Sage Publications, Vol.I, pág. 42.

[6] Nietzsche Cit. In Martin Jay, Op. Cit., pág. 50.

[7] Zoltán Tar, Op. Cit., págs. 46 e 47.

[8] Merleau-Ponty Cit. In. Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 42.

[9] Os primeiros trabalhos de Lukács e de Korsch lidaram, especialmente, com a interpretação determinística e positivista do materialismo histórico – com o seu ênfase nos inalteráveis estádios do desenvolvimento histórico (conduzidos por uma aparente base económica autónoma) -, e com a conveniência do modelo metodológico das ciências naturais para lidar com esses mesmos estádios. Com o materialismo contemplativo – um materialismo que negligenciava a importância central da subjectividade humana. E com a forma como a tradicional posição do marxismo ortodoxo falhava em atribuir importância em examinar ambas as condições objectivas da acção e as formas nas quais essas mesmas condições são compreendidas e interpretadas. É importante salientar que para Lukács, nomeadamente, o materialismo histórico não fazia sentido aparte da luta do proletariado, pois o proletariado é a classe na qual assenta a génese da sociedade capitalista; sendo que o processo da sua formação, cultivação é a chave da constituição do capitalismo. Uma posição única, esta do proletariado, portanto, devido à sua capacidade de compreender e transformar radicalmente a sociedade. De maior importância também é o destaque conferido à teoria; ao problema das comodidades e à análise da reificação – que para Lukács eram o problema estrutural central das sociedades capitalistas em todos os seus aspectos; pois determinavam as formas objectivas e subjectivas da sociedade burguesa. Vd. David Held, Op. Cit., págs. 19 – 23.

[10] George Lukács Cit. In David Held, Op. Cit., pág. 22.

[11] David Held chama também a atenção para alguns dos aspectos rejeitados pelos teóricos críticos, como, na linha de Lukács, a posição do proletariado como critério de verdade; ou o método transcendental de Kant; ou contra identidades filosóficas ou materialistas, etc... Vd. David Held, Op. Cit., págs. 23, 24 e 25. Nomeadamente, contra a filosofia da identidade, ou a Teoria da Identidade de Hegel: “negar a doutrina da identidade é reduzir o conhecimento a uma simples manifestação, condicionada por múltipllos aspectos, da vida de homens determinados”. Vd. Horkheimer Cit. In Paul-Laurent Assoun, A Escola de Frankfurt, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, pág. 28.

[12] Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 47.

[13] Idem, Ibidem.

[14] Idem, Ibidem. Esta tendência (“a união do empirismo com a lógica matemática”) caracterizava o Neo-Positivismo do Círculo de Viena (Carnap, Neurath, Wittgenstein); cujo, junto com o Pragmatismo e o Tomismo Moderno, Horkheimer considerava mais não serem que “panaceias contraditórias”. Vd, Paul-Laurent Assoun, Op. Cit., pág. 36.

[15] Segundo Martin Jay isto tem sido verdade “whether they were generated deductively, as in cartesian theory, inductively, as in the wok of John Stuart Mill, or phenomenologically, as in Husserl’s philosophy. Even Anglo-Saxon science with its stress on empiricism and verification sought general propositions to test. The goal of traditional research has been pure knowledge, rather than action. If it pointed in the directon of activity, as in the case of baconian science, its goal was technological mastery of the world, which was very different from praxis. At all times, traditional theory maintained strict of thought and action.”. Vd. Martin Jay, Op. Cit., págs. 80 e 81.

[16] Idem, Ibidem.

[17] Idem, ibidem.

[18] Horkheimer interessou-se principalmente pela relação entre a teoria científica e a realidade, em que o traço distintivo da Teoria Tradicional era definido pela caracterização dessa relação: “there is always, on the one hand, the conceptually formulated knowledge and, on the other, the facts to be subsumed under it. Such a subsumption or establishing of a relation between the simple perception or verification of a fact and the conceptual strcture of our knowing is called its theoretical explanation” Vd. Max Horkheimer, Critical theory; selected essays, New York, Herder and Herder, 1972, pág. 193.

[19] Max Horkheimer Cit. In Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 48. Martin Jay também salienta que, para além da rejeição, por Horkheimer, do “ideal of general principles and verifying or falsifying examples” outro ponto de divergência: “first of all, it refused to fetishize knowledge as something apart from and superior to action. In addition, it recognized that desinterested scientific research was impossible in a society in which men were themselves not yet autonomous. Vd. Martin Jay, Op. Cit., pág. 81.

[20] E esta é a perspectiva em que Horkheimer está interessado: “a teoria tradicional não reconhece o seu próprio contexto constituinte”. Vd. Axel Honneth, “Max Horkheimer and the Sociological Deficit of Critical Theory” In David Rasmussen and James Swindal Eds., Critical Theory, London, Sage Publications, Vol.I, 2004, pág, 70. Horkheimer expõe também que a “razão de ser do pensamento crítico é (...) acabar com a oposição entre o indivíduo naturalmente espontâneo, razoável consciente dos seus objectivos, e as relações que o processo de trabalho implica e sobre as quais repousa todo o edifício social”. Horkheimer Cit. In Paul-Laurent Assoun, Op. Cit., pág. 41.

[21] Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 49.

[22] Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 100.

[23] Segundo Horkheimer: “there can be no formula which lays down once and for all the relationship between the individual, society and nature. Though history cannot be seen as a uniform unfolding of human nature, the opposite fatalistic formula that the course of events is dominated by necessity independent of Man is equally naive”. Vd. Max Horkheimer, Between Philosophy and Social Science – Selected Early Writings: Remarks on Philosophical Anthropology, Baskerville, MIT, 1993, pág. 153.

[24] Max Horkheimer, Eclipse of Reason, New York, Oxford University Press, 1947, pág. 166.

[25] Idem, pág. 49.

[26] Idem, Ibidem.

[27] Idem, Ibidem.

[28] Idem, pág. 51.

[29] Idem, pág. 49.

[30] Idem, pág. 48.

[31] Max Horkheimer Cit. In Göran Therborn, Op. Cit., pág. 55.

[32] David Held, Op. Cit., pág. 25.

[33] Horkheimer, na sua conhecida obra “Traditional and Critical Theory”, defeniu a Teoria Crítica como “A human activity that takes society itself as its object; it’s objective is to transcend the tensions between individual purposefullness and spontaneity, and the work process relationships upon which society is founded”. Vd. David Macey, The Pinguin Dictionary of Critical Theory, pág. 189.

[34] Göran Therborn, “Teoria Critica e o Legado Marxista do Século XX”, In Bryan S. Turner ed, Teoria Social, Algés, Difel, 2002, pág. 53.

[35] Horkheimer argumenta, concretamente, que “Philosophers have all too often treated these questions in the abstract, divorced from history and social context; the majorschools naively posited eighter an abstract, isolated individual, or a hypostatized social totality, as the fount of human life and proper objecto of social inquiry”; e alvitra “for a dialectical penetration and development of philosophical theory and the praxis of individual scientific disciplines”. Vd. David Held, Op. Cit., pág. 32.

[36] Karl Marx, “Theses on Feuerbach” In http://www.marxists.org/archive/marx/works/1845/theses/theses.htm.

[37] Max Horkheimer Cit. In. Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 53.

[38] David Held também reforça a ideia de que, inicialmente, para Horkheimer (e Lukács também) “the pratical role of the theorist was to articulate and help develop a latent class consciousness”. Posteriormente, Horkheimer alegava de que as tarefas dos teóricos críticos passavam por: “remembering; recollecting or recapturing a past in danger of being forgotten – the struggle for emancipation, the reasons for this struggle, the nature of critical thinking itself”, etc. Vd. David Held, Op. Cit., pág. 25.

[39] Göran Therborn, Op. Cit., pág. 53. Vd. também Marianna Papastephanou, “Ulysses, Reason, Nobody’s fault: Reason, subjectivity and the critic of enlightenment” In Phylosophy & Social Criticism, vol. 26, nº6, págs. 47 a 59.

[40] Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 108. A história da Odisseia “descobre o lado negro da constituição da subjectividade ocidental: ‘the fear of the self from the other’ – cujo, Horkheimer e Adorno, identificam com a natureza – é vencido no curso da civilização pela dominação do outro”; e “o eu homérico, que distingue entre as forças negras da natureza e da civilização, expressa o medo original da humanidade em ser absorvido pelo outro”. Vd. Seyla Benhabib, “The Critique of Instrumental Reason” In David Rasmussen and James Swindal Eds., Critical Theory, London, Sage Publications, Vol.I, 2004, págs. 96, 97 e 98.

[41] Os teóricos críticos pretenderam acabar com o dualismo Sociologia/Filosofia Social, considerando que a “Filosofia, enquanto intervenção teórica orientada para o universal, para o essencial, é capaz de dar impulsos vivificantes às investigações particulares”; aclarando experimentalmente os problemas teóricos de fundo: “a questão da relação entre a vida económica da sociedade, o desenvolvimento psíquico dos indivíduos e as transformações nas regiões culturais”, estudando, através de estatísticas, de literatura sociopsicologica, e de questionários, a mentalidade social dum grupo particular: os operários qualificados e os empregados na Alemanha de Weimar – o volumoso trabalho Estudos Sobre a Autoridade e a Família é disso exemplo. Vd. Paul-Laurent Assoun, Op. Cit., págs. 50 a 65.

sábado, janeiro 16, 2010

Da Teoria Social à crítica da Teoria [tradicional burguesa]

É um facto que desde a antiguidade clássica que filósofos e historiadores – Platão e Aristóteles; Tucídides e Políbius – “escreveram densas análises sobre a vida politica”[1], “não conceptualizando (porém) a sociedade como algo distinto das diferentes formas de instituições políticas”[2]. No entanto, “a crítica e o criticismo, enquanto esforços intelectuais”, e segundo Reinhart Kosellek, apenas “sugiram na europa ao longo do século XVII”[3]. Sendo que “o foco da reflexão crítica neste período inicial incidia sobre o exame filológico e a avaliação de textos antigos, sem excluir textos sagrados como a bíblia”[4].

No século a seguir o âmbito do criticismo foi alargado, por forma a abarcar a crítica da política, da religião e da razão. Aqui o Iluminismo (que segundo Kant[5], e outros, foi a “verdadeira era da crítica”[6]), e Rousseau – cujo, para Johan Heilbron, foi “provavelmente um dos primeiros a usar na Modernidade a société como conceito chave e explícito para a razão em termos de relações sociais”[7] -, “introduziram” a Modernidade. Cuja deveria legitimar-se a si própria e não através do recurso a modelos fornecidos por outras épocas. Segundo Jurgen Habermas: “(a modernidade) tem que criar, dela própria, a sua própria normatividade.”[8]. Uma reorientação para o futuro, portanto, e não mais para o passado – veja-se, a exemplo, a “Querelle des anciens et des modernes”[9], em que diversos autores, ingleses e franceses, argumentaram que a nova ciência física, desenvolvida por Galileu, Descartes, Boyle e Newton, era decididamente superior a tudo o que foi escrito na antiguidade. Reinhart Kosellek fala de uma “aceleração da história”[10] no seu “Futures Past”[11].

No século XIX (1840), o “criticismo gozou, após décadas de reacção pós-revolucionária, de um alargamento intelectual na Alemanha, assumindo a forma de crítica da religião e da política. Marx e Engels iniciam a sua longa colaboração com a obra ‘A sagrada família’, uma sátira da ‘crítica crítica’ da esquerda hegeliana (assim como Bruno Bauer e outros)”[12] e tentam, segundo Göran Therborn, “agarrar, ao mesmo tempo, nos dois cornos da modernidade – o emancipador e o explorador”[13]; fazendo do marxismo a “mais importante forma teórica capaz de dar conta das ambiguidades da modernidade: afirmando, por um lado, os aspectos progressistas e positivos do capitalismo, da industrialização, da urbanização, da alfabetização de massas, de uma atitude voltada para o futuro, em vez de para o passado ou de olhos baixos, presos no presente; e, por outro lado, denunciando a exploração, a alienação humana, o consumismo e a instrumentalização do social, as falsas ideologias e o imperialismo, inerentes ao processo de modernização”[14]. Ou seja, o Marxismo “defendia a modernidade de olhos postos numa outra modernidade mais desenvolvida”[15].

No século XX, a Primeira Grande Guerra, as “vagas de movimentos revolucionários na Rússia, Alemanha e Hungria”, com a consequente queda do czarismo na União Soviética em fevereiro de 1917 e a vitória do partido bolchevique nove meses depois; a instauração também duma República Soviética na Hungria, cuja “foi criada após a abdicação do governo burguês”[16]; protestos, greves, ocupações de fábricas, entre outros acontecimentos, contribuíram directa e indirectamente, para a crença messiânica de que “a unidade da teoria e da prática revolucionária, central no programa Marxista”[17], para além de (e porque) possível (“na actividade revolucionária”[18]), poderia, desse modo, “desfazer o capitalismo no ar”[19] – (Lenine chegou a escrever numa carta dirigida aos operários suíços, na qual dizia que “a Revolução Russa é um prelúdio e um passo na direcção da revolução socialista mundial”[20]).

Todavia, quer na União Soviética – que por “falta de recursos devido à guerra”, por “bloqueios económicos” e “sub-desenvolvimento geral”, a revolução russa começou a desviar-se do caminho trilhado por Lenine e terminou no Estalinismo, com “a expansão do controlo centralizado e da censura”[21] -, quer na Alemanha[22] – que após uma guerra perdida, um estabelecimento de paz frustante, inflação massiva, continuo crescimento do desemprego, e o surgimento, em 1929, da pior crise capitalista internacional -, todas as formas de conflitos de classe se começaram a intensificar e complicar.

Das descontinuidades de todos os acontecimentos para com as expectativas, esta “revivescência da teoria marxista”[23] assumiu diversas formas, como o “marxismo de Georg Lukács[24] em Viena, o de António Gramsci em Roma, o de Karl Korsh em Leipzig e o marxismo burguês de Karl Mannheim em Francoforte”[25], o que deu ensejo a avatares em outros planos, com o “deslocamento das esferas ontológicas para as subjectivas, da esfera puramente teórica para a ‘preocupação”’[26], “protagonizada por duas correntes filosóficas: Filosofia Existencialista e a Teoria Crítica”[27].

A Filosofia Existencialista[28] vira-se para o individual – mantendo, desse modo, a linha clássica - e a Teoria Crítica postula que “tanto a auto-realização como a felicidade do indivíduo dependem das condições de todo o ambiente social”[29].

No que concerne à Teoria Crítica, e na urgência das respostas às diversas questões resultantes das mudanças – “How could the relationship between theory and practice now be conceived? Could theory preserve hope for the future? In changing historical circumstances how could the revolutionary ideal be justified?”[30] - esta, contudo, não formou uma unidade, e a “tradição de pensamento a que se reporta tal rótulo”[31] dividiu-se em duas fases: uma primeira à volta do Instituto de Investigação Social[32], estabelecido em Frankfurt em 1923, e uma segunda fase à volta dos mais recentes trabalhos de Jürgen Habermas[33].



[1] Alex Callinicos, Social Theory: A Historical Introduction, Cambridge, Polity Press, 1999, pág. 10.

[2] Idem, Ibidem.

[3] Reinhart Kosellek Cit. In Göran Therborn, “Teoria Crítica e o Legado Marxista do Século XX”, In Bryan S. Turner ed., Teoria Social, Algés, Difel, 2002, pág. 54.

[4] Idem, Ibidem.

[5] A crítica no sentido kantiano é uma investigação sobre como uma forma de conhecimento é possível - Kant definiu “the goal of the critique of speculative reason as being to discover the source of that form of cognition and to expose the conditions of its possibility”. De salientar também que, posteriormente, Adorno faz ainda uma distinção entre a crítica trascendente e a crítica imanente: “whereas a transcendent critique establishes its own principles and uses them to criticize a theory from the outside, an immanent critique uses a theor’s internal contradictions to criticize it in its own term”. Vd. David Macey, The Pinguin Dictionary of Critical Theory, London, Pinguin Reference, 2000, pág. 76.

[6] Reinhart Kosellek Cit. In Göran Therborn, Op. Cit., pág. 54.

[7] Johan Heilbron, The rise of Social Theory: Contradictions of modernity, Minesota Press, 1995, pág. 88.

[8] Jurgen Habermas, The Philosofical Discourse of Modernity, Cambridge, Cambridge University Press, 1987, pág. 7.

[9] Alex Callinicos Op. Cit. Pág. 13.

[10] Reinhart Kosellek, Futures Past, Cambridge, Mass, 1985, pág. 239.

[11] Idem, Ibidem.

[12] Göran Therborn, “Teoria Critica e o Legado Marxista do Século XX”, In Bryan S. Turner ed, Teoria Social, Algés, Difel, 2002, pág. 54. De salientar aqui também que embora Marx tenha sido o expoente máximo dos hegelianos de esquerda que, nessa década de 1840, “aplicaram as suas (de Hegel) pistas filosóficas aos fenómenos sociais e políticos de uma Alemanha em rápido processo de modernização”, e a recuperação dessas mesmas raízes hegelianas do pensamento de Marx, só ter tido efeito após a primeira guerra mundial, também pensadores não-marxistas – nomeadamente, Croce, Dilthey, Sorel – reviveram o interesse filosófico em Hegel”. Vd. Martin Jay, Op. Cit., págs 41 a 85.

[13] Göran Therborn, Art. Cit., pág.53.

[14] Göran Therborn, Art. Cit., pág.51.

[15] Göran Therborn, Art. Cit., pág.52.

[16] David Held, Introduction to Critical Theory: Horkheimar to Habermas, Berkeley, University Califórnia Press, 1980, pág. 17.

[17] Idem, Ibidem.

[18] Martin Jay, The Dialectical Imagination. A History of the Frankfurt School and the Institute of Social Research 1923 – 1950, London, University Califórnia Press, 1996, pág. 4. Martin Jay, nessa mesma página, diz que “the goal of revoluctionary-activity was understood as the unifying of theory and praxis, which would be in direct contrast to the situation prevailing under capitalism”.

[19] Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice: O Social e o Politico na Pós-Modernidade, Porto, Edições Afrontamento, 1994, págs. 25 a 43.

[20] Lénine Cit. In Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 40.

[21] David Held, Op. Cit., pág. 18.

[22] De salientar ainda que na Alemanha, os ataques à democracia de Weimar foram lançados de diversos lados - segundo David Held, “Counter-revolutionary forces were growing in resources and skills” e “From 1924 and 1933 European history was engulfed by the rapid emergence of Nazism and Fascism.”, Vd. David Held, Op. Cit., pág 19. Em que da exploração destas chances e conjunturas resultou o surgimento de Hitler – assim como o de Mussolini em Itália e o de Franco em Espanha.

[23] Zoltán Tar, Op. Cit., pág. 40.

[24] De salientar aqui que Luckács e Korsch, foram de extrema importância neste início por terem desafiado a ortodoxia marxista – muito embora, nomeadamente Luckács tenha, mais tarde, capitulado a seu favor – e terem repensado o Marxismo em relação a aos eventos contemporâneos; o que possibilitou um re-exame da Teoria e Prática Marxista: “Both men believed that Marx’s writings contain concepts, theories and principles which are violated by orthodox Marxism; and both sought to elaborate and develop this dimensiono f Marx’s enterprise; (…) both believed that this process of elaboration and development requires an examination of the origins (…)”, Vd. David Held, Op. Cit., págs. 20 e 21.

[25] Idem, Ibidem.

[26] Michael Landmann In Zoltan Tar, A Escola de Francoforte, Lisboa, Edições 70, s/data, pág. 11.

[27] Idem, Ibidem.

[28] Se a Patafísica de Alfred Jarry e Boris Vian, a Filosofia do Absurdo de Albert Camus e a Fenomenologia de Husserl e Heidegger a influenciaram, a sua origem remonta a nomes como Kierkegaard. Teve Jean Paul Sartre como o seu representante mais importante. Embora Sartre preferisse a expressão “Filosofia da existência” ou “Filosofia Existencial”, o mais popular termo “Existencialismo” acabou por ser adoptado. A corrente foi divulgada em duas das suas grandes obras: “A Náusea” e “O Ser e o Nada”, e postula a liberdade, a responsabilidade e a subjectividade de cada ser humano, tendo em linha de conta que os mesmos existem “em-si” e “para-si”, numa interacção constante entre a “situação”, a “facticidade”, a “autenticidade” e a “maldição do livre arbítrio”. Vd. David Macey, Op. Cit., pág. 116.

[29] Michael Landmann In Zoltan Tar, Op. Cit., pág. 11.

[30] David Held, Op. Cit., pág. 20.

[31] David Held, Op. Cit., pág. 14.

[32] David Held, indica como elementos chave do Instituto, Max Horkheimer, Friedrich Pollock, Theodor Adorno, Erich Fromm, Herbert Marcuse, Franz Neumann, Otto Kirchheimer, Leo Löwenthal, Henryk Grossmann, Arkadij Gurland e, como membro do “círculo exterior” do Instituto, Walter Benjamin. Vd. David Held, Op. Cit., pág. 14.

[33] Martin Jay salienta aqui a existência de ainda mais uma geração. Ou seja, uma segunda geração “whose most notable members are Jürgen Habermas, Alfred Schmidt and Albrecht Wellmer, as well as a third generation, wich would include Axel Honneth, Peter Bürger, Oskar Negt, Helmut Dubiel, Claus Offe, Alfons Söllner, Hauke Brunkhorst, Detlev Claussen, W. Martin Lüdke and Christoph Menke”. Vd. Martin Jay, The Dialectical Imagination: A History of the Frankfurt School and the Institute of Social Research 1923 – 1950, University of California Press, London, 1996, pág. xv.

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Conferência Internacional sobre Redes Sociais

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