(continuação)
Rumo a uma forma posicional de objectoO Instituto de Investigação Social & a Escola de Frankfurt
Todo este programa e “estilo de pensamento social – Teoria Crítica – tem sido explorado e interpretado de variadas formas”, e é associado ao complexo fenómeno que, segundo Tom Bottomore, se passou a chamar a “Escola de Frankfurt”.
O próprio termo “Escola de Frankfurt”, de acordo com Zoltán Tar, “entre 1923 e 1950, nunca foi utilizado por ninguém. Foi inventado por estranhos, na sua maioria críticos após 1950, e aceite de má vontade, mas raramente usado por Horkheimer e Adorno”.
Etiqueta que “marca um acontecimento (a criação do Instituto), um projecto científico (Filosofia Social), uma atitude (Teoria Crítica), corrente ou movimentação teórica, ao mesmo tempo continua e diversa, (constituída por individualidades pensantes); é um fenómeno ideológico que produz curiosamente os seus próprios critérios de identificação através do seu processo criador”; e é, principal e consensualmente, o nome colectivo atribuído ao grupo de intelectuais alemães que pretenderam dar seguimento a alguns princípios básicos da teoria marxista duma forma ideossincrática.
A base institucional da “Escola de Frankfurt” foi o Instituto de Investigação Social (Institut für Sozialforschung), “oficialmente estabelecido a 03/02/1923, por decreto do ministro da educação, e afiliado à universidade de Frankfurt”, no rescaldo da vitória bolchevique na União Soviética e, principalmente, num contexto de plena ascensão do fascismo e do nazismo na Alemanha.
A ideia surgiu da intenção de criar um “mais permanente centro de estudos marxistas”, após o sucesso, no verão de 1922, da “primeira semana de trabalho marxista” organizada por Félix Weil, e que teve como participantes Lukács, Korsch, Pollock e Wittfogel; e em que grande parte da discussão foi dedicada ao livro no prelo, “Marxism and Philosophy”, de Korsch.
Tom Bottomore alega que é possível “distinguir quarto períodos distintos na história do Instituto e da Escola de Frankfurt”:
Um primeiro período entre “1923 e 1933, quando a pesquisa levada a cabo pelo Instituto era bastante variada” e interdisciplinar, e tinha o “Marxismo como inspiração e base teórica do seu programa”.
Programa esse em que o seu primeiro director, Carl Grünberg (1923 – 1930), cujo, era um “historiador económico e social” próximo dos austro-marxistas, “focando-se na economia política, na história do socialismo e no movimento trabalhista”, lhe definiu um forte sentido empírico (na sua concepção do marxismo): 'the materialist conception of history neither is, nor aims to be, a philosophical system… its object is not abstractions, but the given concrete world in its process of development and change'.
Um começo com a intenção de oferecer, inicialmente, “uma teoria geral da sociedade capitalista moderna”, com “a pretensão da teoria crítica em representar uma continuação da original teoria crítica (da economia política) de Marx”, em que as pesquisas se debruçavam, principalmente, sobre a análise da infra-estrutura sócio-económica da sociedade burguesa, e em que essa mesma teoria crítica pudesse ser cientificamente validada “à luz dos cânones geralmente aceites nas ciências naturais e sociais”. Concepção a realizar através dum projecto interdisciplinar, com apostas em abordagens holísticas da sociedade e pesquisas empíricas historicamente orientadas, em que os seus primeiros membros se assumiam como neo-marxistas – recuperando alguns aspectos hegelianos de Marx -, e, cujos, tinham como um dos seus bêtes noires principais o Positivismo.
Em 1930 Max Horkheimer assumiu a direcção do Instituto e, embora tenha mantido algumas continuidades para com o programa do seu antecessor, também introduziu algumas descontinuidades: “estabeleceu um novo caracter e direcção para o Instituto, tendo iniciado mudanças nos seus membros, no foco dos seus trabalhos, e na sua concepção guia de investigação social”; onde três temas foram dominantes: “a necessidade de re-especificar as grandes questões filosóficas num programa de pesquisa interdisciplinar; a rejeição do Marxismo ortodoxo e a sua substituição por um reconstruído entendimento do projecto de Marx; e a necessidade da Teoria Social explicar o grupo de interconexões (mediações) que tornam possível a reprodução e transformação da sociedade, economia, cultura e consciência”.
Ou seja, se concordou em manter o “materialismo interdisciplinar” (cujo, posteriormente, cunharia de “Teoria Crítica”), a análise teórica e a investigação empírica, decidiu, contudo, fazê-lo duma forma histórica e teórica mais radical – também com a introdução da psicnálise -, sendo o seu principal escopo a relação entre a filosofia social e a ciência.
Uma reorientação levada a cabo por Max Horkheimer, que, aludindo à “corrente condição da filosofia social e às tarefas de um Instituto de Investigação Social”, propôs um programa de “pesquisa colectiva dirigido a grupos sociais específicos, particularmente a classe trabalhadora, cujo pudesse elucidar o problema de relacionamento entre razão e história.”
Um segundo período com “o exílio na América do Norte”, de 1933 a 1950, quando as distintas ideias de uma teoria crítica neo-hegeliana foram implementadas como princípio conductor das actividades do Instituto” - ideias essas expostas, em 1937, na sua obra “Traditionelle und kritische Theorie” (“Traditional and Critical Theory”); passando a existir um foco mais na filosofia do que na história ou na economia, com um crescente interesse na psicanálise, mas sendo, no entanto, “extremamente difícil conduzir pesquisas empíricas” - o que “aumentou também o hiato entre a teoria e a prática”.
De facto, muito embora, Horkheimer e Adorno (investido do papel de co-fundador-duúnviro), tenham “percebido a ‘economia como a primeira causa de miséria’, também se apercebem que uma teoria de crise económica sozinha não é mais suficiente para analizar as contradições do período entre as duas grandes guerras mundiais”, pois os fenómenos de crise “não são experimentados como meras disfunções económicas, mas também como crises vividas”.
Então, Horkheimer, de modo a evitar reducionismos económicos, “introduziu uma terceira dimensão de reprodução social entre a combinação da psicologia social de Fromm, e o seu reino de socialização dos instintos do indivíduo, e a análise do capitalismo de Pollock, com o seu sistema invasor do trabalho social: a cultura”. Transformando calmamente o conceito de cultura de “action-theoretic” para “institution-theoretic”, apresentou-o “entre o sistema de trabalho social e os maleàveis instintos humanos, na obstinada forma de processos organizados de aprendizagem, que ancoram as expectativas comportamentais requeridas pela economia como objectivos de acção libidinosamente carregados na psique do indivíduo” – a tónica é agora colocada na “superestrutura cultural”.
Contudo, a noção de cultura que prevaleceu nos trabalhos do Instituto, não foi “nem a baseada na teoria da acção, nem a restricta às instituições, mas sim uma estéticamente articulada”. Uma concepção “tradicional, limitada aos produtos estéticos”, nas mãos de Leo Löwenthal e Theodor Adorno, cujo “objectivo das suas pesquisas era a decifração ideológico-crítica dos conteúdos sociais das obras de arte”; e que modificará a Teoria Crítica no fim dos anos 30.
Essa modificação é vista como uma transformação da “crítica da economia política” em “crítica da razão instrumental”, cuja transformação “identifica, não apenas uma mudança no objecto de crítica mas, mais significativamente, na lógica da crítica”; e cujo modelo “sociológico” desenvolvido então “estabelecia relações funcionais entre o nível de organização das forças produtivas, a estrutura institucional da sociedade e as formações de personalidade” usando os conceitos de “racionalização” e “razão instrumental” para descrever os “princípios organizacionais da formação social assim como as orientações de valores da personalidade, e as estruturas de significação da cultura”.
Um terceiro período com o regresso do Instituto a Frankfurt em 1951 – sendo um dos “principais motivos do regresso a contribuição para a construção duma cultura política democrática na Alemanha” -, e até 1970, em que as principais ideias duma teoria crítica tinham já sido expostas em algumas obras. Um período de grande influência política e intelectual do Instituto, cujo “contribuiu para o reestebelecimento da investigação social na Alemanha, promovendo a introdução de novas técnicas nas ciências sociais enquanto tentava manter viva a conexão com a grande tradição da Filosofia e Sociologia europeias” tendo o seu pico em 1968 com o movimento estudantil.
Durante esse período, “apenas Marcuse produziu uma longa análise da economia capitalista e da sua relação em mudança para a política”; tendo sido um dos poucos que pretendeu criar uma nova relação entre a teoria e a prática no pós-guerra. “E foi essa sua mesmo directa preocupação em desenvolver uma crítica do capitalismo e com a teoria e políticas de transição, que fizeram dele uma figura intelectual central nos anos 60 e início de 70”.
Marcuse, mesmo antes deste terceiro período, começou, nos seus primeiros escritos, por “sintetizar a Fenomenologia de Heidegger e o Marxismo e lançar uma fundação crítica para a teoria”, na tentativa de “trabalhar uma relação entre a ontologia, a historicidade e a dialéctica”, pois a Teoria Crítica parecia-lhe “indissociavelmente unida à doutrina marxista da sociedade e do materialismo histórico, estabelecendo a ligação entre a infra-estrutura económica da produção e a injustiça da sociedade capitalista”. De seguida, em outras reflexões, reexaminou a obra de Hegel e a natureza política e radical dos seus conceitos, tais como: a razão e o trabalho; procurou ilibá-la de “falsas interpretações” e “integrou no marxismo uma especulação freudiana sobre o hedonismo”.
Essa especulação freudiana é explorada detalhadamente em “Eros e Civilização”, onde Marcuse formula a impossibilidade da existência de crises sociais debaixo das condições da civilização tecnologico-industrial: “the very objective conditions that would make the overcoming of industrial-technological civilization possible also prevent the subjective conditions necessary for this transformation from emerging”. Marcuse expõe o paradoxo da racionalização, cujo “consiste no facto de que as mesmas condições que poderiam conduzir a um reverter da perda de liberdade não poderem ser percepcionadas por indivíduos sob condições de desencantamento”. Na civilização tecnologico-industrial “a real possibilidade de acabar com a perda de liberdade é providenciada por uma transformação da ciência e da tecnologia em forças produtivas e pela subsequente eliminação do trabalho imediato do processo de trabalho”. Seyla Benhabib continua: o trabalho não é mais experienciado pelo indivíduo como o doloroso esforço de energia orgânica para cumprir uma tarefa específica. O processo de trabalho torna-se impessoal e é cada vez mais dependente da organização e da co-ordenação do esforço humano colectivo”.
Num dos seus escritos mais importantes, “O Homem Unidimensional”, Marcuse vacilou entre duas hipóteses contraditórias: “a avançada sociedade industrial é capaz de conter a mudança qualitativa para o futuro previsto”; e “que forças e tendências existem, cujas podem quebrar essa contenção e explodir a sociedade”. Em acordo com Adorno e Horkheimer ele considerou a primeira hipótese como dominante.
A sua análise “começou por apontar um multiplicidade de forças cujas estão combinadas de forma a tornarem possível a gestão e controlo da economia capitalista”. Marcuse, notou, em primeiro lugar, “o espectacular desenvolvimento das forças produtivas – ele próprio o resultado da crescente concentração de capital e controlo financeiro, mudanças radicais na ciência e na tecnologia, a tendência de encontro à mecanização e automação, produtividade aumentada e taxa de valor excedente, e a progressiva transformação da gestão em administração e em maiores burocracias privadas”. Em segundo lugar, ele “enfatizou a crescente regulação da livre competição – uma consequência da intervenção do Estado, cuja estimula e suporta a economia (através de despesa inútil em investimento improdutivo como armamentos, por exemplo), a conexão da economia do Estado-Nação a uma rede mundial de alianças monetárias e militares, e a expansão da burocracia pública”. Em terceiro, ele “apontou as mudanças na estrutura social – por exemplo, a gradual assimilação de populações de colarinho azul e de colarinho branco, de negócios e de líderes de trabalho, em termos de estrutura ocupacional e padrões de consumo”. Em quarto lugar, ele “descreveu uma redução das prerrogativas nacionais por eventos internacionais e pela permanente ameaça de guerra – criada pela guerra fria, pela ‘ameaça do comunismo’, o inimigo ‘dentro e sem’, e a sempre presente possibilidade da guerra nuclear”.
“(…) the other a theory of the welfare state in a postfascist mass democracy.”
E um quarto período, a partir de 1970, com o declínio da sua influência; com as crescentes críticas de novas formas de pensamento marxista; com o falecimento de Adorno e Horkheimer; e, principalmente, com os trabalhos de Jurgen Habermas.
De facto, no início dos anos 70 Habermas “rejeitou a orientação estética de Adorno e começou a argumentar por uma reorientação da Teoria Crítica que fosse de encontro a uma renovada colaboração entre a Filosofia e as Ciências Sociais”, de modo a tornar possível uma “cientificação da crítica”, - cuja ficaria comprometida se se mantivesse a linha anterior. Um projecto concebido como “an attempt to develop a theory of society with a practical intention: the self-emancipation of people from domination”.
(Continua...)